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Preso a uma Tela: Como os Aparelhos Digitais estão Afetando o Cérebro

Atualizado: 3 de nov. de 2023



Tenho más notícias. Sou viciado em telas. E você também é. Talvez você não saiba disso e talvez você esteja até negando minha acusação, mas tente responder o seguinte antes de tentar se defender:


  • Você leva o celular para a cama e checa alguma coisa antes de dormir?

  • Você leva o celular para o banheiro?

  • Você sente um desejo incontrolável de checar o celular mesmo sem notificação?

  • Você usa o celular de alguma forma enquanto dirige?

  • Você maratona sua série favorita sem problema nenhum?

  • Você sente uma certa "aflição" quando fica sem celular?

  • Você manda textos ou grava mensagens de áudio enquanto caminha?


Essas e muitas outras perguntas sobre o tema podem ajudar você a identificar traços de vício. Se você ainda reluta em dizer que está viciado, eis uma definição para ajudar a esclarecer as coisas:


O vício (ou a dependência) é a incapacidade de parar de usar uma substância ou se envolver em um comportamento, mesmo que esteja causando danos psicológicos e físicos.

De acordo com a UNICEF, o vício às telas:


[...]pode ocorrer quando o uso da tela é tão compulsivo que prejudica o funcionamento diário. Isso pode estar afetando sua produtividade, relacionamentos, saúde ou bem-estar.

E aí, já se convenceu? É muito provável que você que está lendo este texto seja um adulto e pense que se você quiser de fato parar com esse ciclo vicioso, você consegue. Talvez você esteja dizendo para si mesmo na sua cabeça que você precisa do celular para trabalhar e que as redes sociais são essenciais para o seu trabalho. Eu teria que concordar porque no fundo, eu acredito na mesma coisa - ou pelo menos me digo isso com frequência para justificar minha falta de controle com as telas. O grande problema é como isso está afetando aquelas pessoas que já não têm controle das suas ações e que agem muito mais impulsivamente que nós. Estou falando das crianças e adolescentes.


Mas antes de discutir os impactos para essa faixa etária, vamos pensar em alguns pilares de como o uso excessivo das telas impacta o nosso cérebro. Podemos dividir esse tema em PILAR 1 - A Mecânica do Vício; PILAR 2 - Impactos Diretos; e PILAR 3 - Impactos Indiretos. Primeiramente, temos que entender como o vício atua na estrutura e nas funções cerebrais, depois precisamos saber como isso impacta a vida das crianças e adolescentes diretamente, finalmente, temos que refletir sobre os impactos indiretos causados.


PILAR 1 - A MECÂNICA DO VÍCIO


A dependência já não é mais considerada uma questão de força de vontade, mas sim uma condição ou distúrbio cerebral - leia-se "doença". Seja com drogas, álcool, comida, jogos, pornografia ou telas, abandonar o hábito não é tão simples como tomar a decisão de parar, apesar de muitas pessoas pensarem que conseguem. O que acontece no cérebro quando estamos viciados?


Sistema de Recompensa


A área tegmentar ventral (VTA - ventral tegmental area) é uma região do cérebro que produz um neurotransmissor chamado dopamina, que é importante para a sensação de prazer e recompensa. A VTA envia sinais de dopamina para outras regiões do cérebro, incluindo o núcleo accumbens. O núcleo accumbens é uma região do cérebro que é ativada pela dopamina da VTA e é responsável pela sensação de recompensa e prazer. Quando algo nos faz sentir bem, como comer algo delicioso ou receber elogios, o núcleo accumbens é ativado e libera mais dopamina.


O córtex pré-frontal é uma região do cérebro que está envolvida no planejamento e tomada de decisões. Ele recebe informações da VTA e do núcleo accumbens e ajuda a decidir se uma ação é recompensadora o suficiente para ser repetida no futuro. Por exemplo, se você come um bolo delicioso e isso ativa seu núcleo accumbens, seu córtex pré-frontal pode decidir que comer bolo é uma ação recompensadora e que vale a pena fazê-lo novamente no futuro. Ou talvez a ação recompensadora seja a notificação da rede social ou assistir sua série favorita na Netflix.


Quando estamos viciados, há uma ativação intensa do sistema de recompensa do cérebro. O problema tem a ver com o quanto e quando usamos substâncias ou temos comportamentos que produzem a liberação excessiva de dopamina. Com o tempo, essa ativação intensa do sistema de recompensa vai fazendo o nosso cérebro perder a sensibilidade e precisar de uma dose cada vez mais alta para sentir a mesma sensação agradável. Logo, quando estamos viciados, precisamos da nossa "dose" frequente da "droga" que nos viciou. Isso quer dizer que a estrutura e a função do sistema de recompensa mudaram. Agora, a pessoa viciada precisa passar por um processo longo de "desintoxicação" para voltar à vida normal e sempre existe risco de recaída.


PILAR 2 - IMPACTOS DIRETOS


De acordo com a psiquiatra americana Victoria Dunckley, autora do livro Reset Your Child's Brain (Resete o Cérebro da sua Criança), um dos maiores impactos do uso excessivo das telas pelas crianças tem a ver com a desregulação do sono e a consequente dessincronização do "relógio biológico" do corpo. A luz dos dispositivos imita a luz do dia, o que pode suprimir a liberação de melatonina, um hormônio que sinaliza o corpo para dormir. Apenas alguns minutos de estímulo de tela podem atrasar a liberação de melatonina em várias horas e desregular o relógio natural do corpo.


Essa produção de "luz à noite" pode ter consequências negativas para a saúde mental. A exposição à luz de dispositivos eletrônicos durante a noite foi relacionada à depressão e até mesmo ao risco de suicídio em inúmeros estudos. Estudos em animais também mostraram que a exposição à luz de telas antes ou durante o sono pode causar depressão, mesmo quando o animal não está olhando para a tela.


Além disso, o uso de telas pode induzir reações de estresse, o que pode aumentar a irritabilidade e afetar a regulação do humor. Tanto o estresse agudo (luta ou fuga) quanto o estresse crônico podem causar mudanças na química e nos hormônios do cérebro, levando a um ciclo vicioso de liberação de cortisol e depressão. Talvez o problema direto mais evidenciado pelos professores e pelos pais seja relacionado com a atenção. O uso de telas normalmente está associado ao conceito de "multitarefa". Esse conceito é um neuromito, ou seja, é uma informação falsa sobre como o cérebro aprende. Fazer multitarefa sobrecarrega o sistema sensorial, fragmenta a atenção e esgotar as reservas mentais. A falta de foco, além de causar perdas significativas na hora da aprendizagem, pode causar comportamentos explosivos e agressivos.


PILAR 3 - IMPACTOS INDIRETOS


Apesar do título provocativo, o livro A Fábrica de Cretinos Digitais de Michel Desmurget é uma obra que vale a pena ser lida por educadores e famílias. Ela explora o impacto negativo do uso excessivo de tecnologia por crianças e jovens e inclusive argumenta que a "geração digital" tem, pela primeira vez, um QI inferior ao dos pais em vários países. Para Desmurget, a culpa não é somente do tempo de tela, mas, também, do tipo de conteúdo consumido, que é geralmente recreativo e pouco estimulante cognitivamente, como assistir televisão, jogar videogames e passar horas nas redes sociais.


O livro descreve muito bem tanto os impactos diretos como os indiretos. Vale citar aqui que o tempo gasto com as telas em redes sociais e jogos tira das crianças e adolescentes o tempo usado para atividades fundamentais como a atividade física, a interação social e com os familiares e o tédio. Sim, o tédio! Ficar sempre em modo focado, saindo de uma notificação para a próxima ou rolando a tela para baixo evita que as pessoas usufruam o ócio, que, apesar de ser chato, ajuda com a criatividade, com o envolvimento em atividades que as pessoas normalmente não fariam e como as relações sociais.


Crianças fissuradas nas telas não brincam tanto fora de casa, não são expostas à luz do sol e isso impacta a produção de vitamina D, não desenvolvem bem sua "inteligência" emocional e uma série de habilidades e competências extremamente necessárias para uma vida funcional e plena. Alguns estudos mostram ainda efeitos negativos das redes sociais, especialmente o Instagram, na autoestima e na saúde mental de meninas adolescentes. A plataforma, que é focada em imagens altamente estilizadas e em uma cultura de perfeição, pode levar as adolescentes a compararem seus corpos e vidas com as postagens de outras pessoas, o que pode causar sentimentos de inadequação e baixa autoestima. Isso pode levar à depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental.


O problema


Quer deixar algo bem claro. Você pode estar pensando que não quero mais que o ensino remoto aconteça ou que sou a favor da proibição total de telas nas escolas. Isso não é verdade. Eu não sou contra o ensino remoto de forma alguma. Eu entendo o seu valor, pois dá a pessoas de todo o mundo acesso a experiências de aprendizado relevantes e mais controle sobre elas. Eu ensino praticamente exclusivamente online nos dias de hoje. Quanto à proibição de celulares e tablets, acho que isso depende da idade e, para ser honesto, limitar, restringir e supervisionar podem ser suficiente. No entanto, devo lembrar que, como a maioria de nós já suspeitava, as aulas online não são o substituto perfeito para interações presenciais.


O estudo Zoom Conversations vs In-Person: Brain Activity Tells a Different Tale, conduzido pela neurocientista da Yale, Joy Hirsch, utilizou técnicas avançadas de neuroimagem para comparar a atividade neural durante conversas presenciais e interações no Zoom. Os resultados revelaram uma diferença significativa nos sinais neurais entre os dois ambientes. Durante as trocas online, os pesquisadores observaram sinais neurais suprimidos, destacando a redução do envolvimento dos circuitos neurais sociais. Em contraste, as discussões presenciais apresentaram uma atividade cerebral intensificada, incluindo respostas neurais aumentadas relacionadas ao tempo de olhar, dilatação da pupila e maior capacidade de processamento facial.


Essas descobertas enfatizaram a riqueza das interações sociais ao vivo e sugeriram que as representações digitais atuais de rostos, como as usadas no Zoom, não ativam efetivamente as vias neurais sociais do cérebro. O estudo destaca as limitações das plataformas online em envolver completamente nossa cognição social, exibindo a intrincada coreografia da atividade neural que governa as interações sociais pessoais.


Essa preocupação toda me afeta muito mais quando:


- estamos lidando com crianças e adolescentes

- oferecemos experiências de aprendizado 100% assíncronas


Escrevi sobre o que chamei de fator humano há algum tempo para a Modern English Teacher, levantando essas preocupações. Crianças e adolescentes ainda estão desenvolvendo estratégias de autorregulação e esperar que elas sejam autoeficazes em relação ao seu aprendizado em ambientes online não é realista.


Como podemos oferecer experiências de aprendizado online significativas para todos, especialmente para essa faixa etário? Temos opções que podem ser muito exclusivas. Realidade Virtual e ambientes de aprendizado imersivos, cursos híbridos e assim por diante.


Estar junto, fisicamente na mesma sala, é uma daquelas coisas que não podemos negligenciar. Ainda é uma maneira poderosa de ensinar de forma mais eficaz.


O grande perigo


A grande verdade, que talvez estejamos ignorando, é que acesso ilimitado a informações e ferramentas digitais nas mãos de crianças e adolescentes, que não conseguem se autorregular adequadamente, pode ser uma combinação perigosa. Em menos de 24 horas, vi estudantes de uma escola de elite brasileira e estudantes de uma escola americana cometerem o mesmo crime. Eles utilizaram inteligência artificial (IA) para remover as roupas das suas colegas de fotos postadas nas redes sociais. Baixaram um aplicativo, alteraram as imagens e compartilharam os nudes em vários grupos.


Existem outros perigos também. Predadores online (pedófilos), desafios que levam as crianças a causarem danos físicos a outras pessoas ou a si mesmas (levando ao suicídio às vezes), phishing e fraudes, e a lista continua.


Quem é o culpado? Os adultos. As famílias confiam nas escolas para evitar coisas assim. Por outro lado, as escolas exigem dos pais que eduquem melhor seus filhos. Em vez de se culparem mutuamente, todos deveriam trabalhar como parceiros para encontrar soluções. Podemos também culpar a regulamentação frouxa - ou completa desregulamentação - do uso da internet quando se trata de crianças e adolescentes. Eles são vulneráveis. Eles não conseguem tomar decisões sensatas. Agem impulsivamente e muitas vezes ingenuamente.


O que tudo isso quer dizer?


A única solução é trabalhar como parceiros para limitar/restringir/supervisionar as atividades online de crianças e adolescentes. Vamos lembrar que com a pandemia, a exposição das crianças às telas aumentou ainda mais, potencializando os danos. Muitos gurus da tecnologia ficaram entusiasmados com a mudança que a pandemia traria para a educação, no entanto, mais e mais estudos estão mostrando que os efeitos foram muito mais negativos do que o que esperavam. Educadores do mundo todo estão falando de perda de aprendizado, maior agressividade e impulsividade e grande insatisfação das famílias, dos estudantes e dos educadores.


Tanto Victoria Dunckley quanto Michel Desmurget, além de outros autores, alertam para a importância de agir rapidamente para limitar o tempo de exposição às telas e incentivar atividades mais enriquecedoras, como a leitura e a música, o tempo ao ar livre, a socialização e o ócio para garantir o desenvolvimento cognitivo adequado e evitar um futuro comprometido para as crianças e jovens.


Essa é a grande verdade. Muitos veem a tecnologia digital como o remédio para todos os males, mas precisamos lembrar que as crianças não têm condições de se autorregularem adequadamente porque seus cérebros ainda estão em desenvolvimento. Enquanto elas não conseguirem controlar seus impulsos, os adultos precisam agir como o seu lobo frontal. E isso não é de responsabilidade exclusiva das escolas, muito pelo contrário. Quem passa mais tempo com as crianças e os adolescentes, principalmente à noite, são os pais e são eles que devem impor limites de uso de tela. Eu entendo perfeitamente que é difícil, muitas vezes complicado controlar. Mas é necessário.


Se nós temos grande dificuldade em largar esse vício e ainda por cima acreditamos em fake news e seguimos grupos de ódio, imaginem as crianças. Muitas crianças deslocadas socialmente, negligenciadas em casa e que sofrem bullying na escola ou cyberbullying nas redes sociais ficam mais vulneráveis a grupos que incitam a violência. Tudo o que elas querem é aceitação e se alguém oferecer isso, mesmo que seja com o intuito machucar alguém como vimos nas notícias recentes, elas podem não ter a capacidade de dizer não.


Mas existe uma luz no fim do túnel. Não demonizemos a tecnologia digital. Ela permite que muitas coisas sejam possíveis e isso pode potencializar a aprendizagem das crianças. Usar as telas para ler, jogar jogos de memória ou com outros jogadores de outros países, além de matar a curiosidade com conteúdos estimulantes e ricos é sempre uma boa pedida. As dicas então são as seguintes:


  1. Estabeleça limites de tempo

  2. Defina horários sem telas

  3. Estimule outras atividades sem uso de telas

  4. Monitore o conteúdo que as crianças seguem

  5. Estimule a interação social

Os pais têm sim que interferir e ajudar seus filhos a ter uma experiência menos perigosa e negativa com as telas e as redes sociais. Só assim as crianças e adolescentes crescerão mais saudáveis física e psicologicamente.


Já se inscreveu no meu curso sobre Ciência da Aprendizagem?





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