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Foto do escritorAndré Hedlund

O Papel da Repetição na Aprendizagem: Uma Lição de Karatê Kid

Atualizado: 18 de out. de 2023




Um dos meus personagens favoritos do cinema foi o um adolescente que sofria bullying na escola e nas ruas. Recentemente, tive o prazer de reencontrá-lo em Cobra Kai, um spin-off da popular saga Karatê Kid. Na época, os filmes tiveram um impacto enorme para muita gente porque contavam a história de Daniel LaRusso, um garoto pobre que era espancado por um grupo de valentões liderados por Johnny Lawrence, até ser salvo pelo zelador, que por acaso era um herói de guerra e lutador de Karatê nascido em Okinawa no Japão, o lendário Nariyoshi Miyagi. O Sr. Miyagi se tornou o mestre de karatê (ou sensei) de Daniel e ensinou a essência dessa arte marcial.


Tudo o que Daniel-san queria do seu sensei era aprender karatê para poder enfrentar aqueles valentões. Em vez de ensinar karatê logo do início, o Sr. Miyagi deu a Daniel uma série de tarefas que davam a impressão de que ele estava, na verdade, explorando o pobre garoto. Daniel precisa lixar o chão de madeira, pintar a casa do Sr. Miyagi, envernizar a cerca e, talvez o mais icônico de todos, passar cera em toda a coleção de carros dele, incluindo o Ford Super Deluxe de 1947 amarelo. Foi muito bem ver que a série Cobra Kai investiu nessa paixão de Daniel por carros e o transformou em um proprietário bem-sucedido de uma concessionária.


Uma das minhas cenas favoritas no primeiro filme é quando Daniel-san fica irritado e frustrado com as intermináveis tarefas do Sr. Miyagi. Eles estavam parados no que mais tarde se tornaria o dojo de Karatê Miyagi-Do, dirigido pelo próprio Daniel em Cobra Kai. Daniel não entende por que ele precisa lustrar, pintar, lixar e como isso vai ajudá-lo no karatê. O Sr. Miyagi então pede a ele para mostrar o movimento "Encerar/Polir". Dá para ver nos olhos do Daniel como as coisas fazem sentido assim que ele percebe que todo aquele trabalho tinha como objetivo criar o que muitos chamam de "memória muscular" e afiar seus reflexos. Na cena, ele bloqueia os socos e chutes de seu sensei com os movimentos que aprendeu durante as tarefas.




Há muitas lições na saga Karatê Kid. Talvez a mais preciosa seja a ideia de foco, comprometimento e, principalmente, o papel da repetição. Daniel se tornou proficiente na arte marcial por meio de repetições. A repetição é fundamental quando queremos garantir que as coisas se tornem mais automáticas e, assim, exijam menos esforço consciente. A chamada "memória muscular" pode ser desenvolvida por meio de uma série de repetições intencionais para dominar o que estamos tentando aprender. No entanto, devemos tomar cuidado com alguns pontos. Primeiro, não devemos chamá-la de "memória muscular". As memórias estão em redes de neurônios no córtex do nosso cérebro e não dentro dos músculos. Em segundo lugar, o tipo de repetição, a duração e o objetivo são essenciais para desenvolvermos as habilidades que desejamos.


A importância da repetição


De maneira simples, podemos dizer que a repetição de tarefas faz com que elas exijam menos ativação das áreas frontais do cérebro, onde encontramos o sistema de memória de trabalho. A primeira vez que você tenta dirigir, por exemplo, requer que você pense conscientemente em cada movimento de forma lógica e sequencial. Em sua mente, você está pensando:


"OK, primeiro preciso ajustar os espelhos e o meu assento. Agora tenho que colocar a chave e ligar o carro. Mas não se esqueça de verificar se o carro está em ponto morto. Em seguida, tenho que colocar na primeira marcha e soltar suavemente o pedal da embreagem... ah, e tenho que colocar o cinto de segurança."

Naturalmente, há muitos outros passos envolvidos. Mas imagine a ineficácia dos motoristas se tivessem que conscientemente passar por todos esses passos toda vez pegassem a estrada! Se fôssemos nós dirigindo, não seríamos capazes de conversar com alguém no carro, ouvir música com atenção ou até mesmo ligar para alguma pessoa do telefone - conectado por bluetooth para evitar acidentes, é claro! É por isso que nossos cérebros criam esquemas para essas coisas, transformando-as em hábitos e enviando-as mais para trás no córtex, especificamente para o lobo parietal - ainda que outras áreas, como o cerebelo, estejam envolvidas. A formação de hábitos libera nossa memória de trabalho para fazer outras coisas.


Até no nível celular, a repetição desempenha um papel fundamental no processo de aprendizado e consolidação da memória. Ela serve como um mecanismo essencial para gravar informações em nossos cérebros, tornando-as mais acessíveis e duradouras por meio de um processo neurológico conhecido como "potenciação de longa duração" (Long-term potentiation - LTP, na sigla em inglês). A LTP refere-se ao fortalecimento persistente das sinapses, as conexões entre os neurônios, quando elas são frequentemente ativadas em conjunto. Esse fortalecimento resulta em uma transmissão de sinais otimizada entre os neurônios, o que, por sua vez, facilita a recuperação de informações de forma mais eficiente e confiável ao longo de períodos prolongados. Essencialmente, por meio da repetição e da indução da LTP, nossos cérebros se tornam "instrumentos afinados" para reter e recuperar conhecimento.


Imagine por um momento o que teria acontecido com Daniel se ele não tivesse internalizado todos esses movimentos até o momento de sua famosa luta contra Johnny no Torneio de Karatê do Vale. E se ele tivesse que pensar conscientemente em cada movimento enquanto todos aqueles lutadores estivessem chutando e desferindo socos contra ele? Bem, digamos apenas que ele não teria chegado tão longe e não teríamos visto o famoso chute da garça que garantiu seu troféu.




Drilling


Novos conceitos e novas habilidades manuais dependem basicamente do mesmo processo de repetição. Ou seja, independentemente se estou aprendendo um novo movimento no tênis ou novas palavras em inglês, preciso treinar - ou repetir - para consolidar na memória de longo prazo.


No inglês, usamos o conceito de drilling para fazer referência às repetições que fazemos durante o nosso treinamento. Se pensarmos nas nossas aulas de inglês, existem muitos tipos de drilling que podemos usar. A ideia é reforçar as estruturas gramaticais ou até mesmo o vocabulário, repetindo-os de diferentes maneiras. Isso com certeza vem de uma abordagem mais behaviorista, particularmente o método áudio-lingual, no entanto, não devemos demonizar a prática. Só precisamos entender que o fundamental precisa estar consolidado antes de partirmos para habilidades mais desafiadoras. Aqui vão dois exemplos:


1. Repetition Drills (Exercícios de Repetição): Os alunos repetem uma estrutura gramatical ou uma frase.
2. Substitution Drills (Exercícios de Substituição): Os alunos substituem uma palavra ou frase em uma sentença dada por outra palavra ou frase apropriada para praticar a gramática e o vocabulário.

OK, vocês devem estar se perguntando: Quando e quantas vezes fazer essas repetições? Essa é uma questão importante, mas difícil de responder. Eu vejo o valor de realizar exercícios de drilling em sala de aula, especialmente para níveis mais básicos, mas definitivamente não acredito que a aula inteira deva ser assim, como normalmente propõe o método áudio-lingual. A ideia de "treinar até a exaustão" pode até ser um dos fundamentos dos esportes de elite e competições atléticas, mas não na sala de aula, quando pensamos em aprendizado eficaz e de longo prazo. A filosofia de "trabalhe enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem" tem feito mais mal do que bem, na minha opinião. Precisamos cuidar da nossa saúde mental, e praticar até a exaustão não é o caminho para fazer isso.


Então, o que fazer? Em vez de exagerar, eu diria que precisamos seguir a ideia de repetição espaçada e prática de recuperação (ou prática de lembrar). Isso significa que realizar o mesmo drilling em uma hora inteira de aula é menos eficaz do que fazê-lo algumas vezes naquela aula, fazer algo diferente, tentar lembrar e aplicá-lo em um contexto diferente, além de descansar e revisitá-lo com uma certa frequência (realizando o exercício novamente em uma aula diferente).


A era da aversão à repetição?


O que eu mais vejo por aí é a ideia de que aprender precisar ser fácil, divertido e sem chatices - o que certamente inclui repetição. Muita gente tenta vender a ideia de que "aprender do jeito tradicional" não funciona. Logo, demonizam o livro didático, os exercícios de gramática, as explicações dos professores etc. Contudo, a repetição é definitivamente essencial se quisermos ser capazes de fazer as coisas de forma mais automática, ou seja, no piloto automático.


Internalizar blocos de informação nos ajuda a nos tornarmos usuários mais proficientes de uma língua adicional e libera nossa limitada memória de trabalho para novas aprendizagens. No entanto, suponho que existam maneiras melhores do que simplesmente repetir as coisas de forma mecânica até a exaustão. Se observarmos alguns princípios da Ciência da Aprendizagem, perceberemos que, com mais frequência, podemos trabalhar de maneira inteligente em vez de árdua.


Outra lição que desejo deixar a todos é que mudar algo que foi enraizado no cérebro pode ser bastante desafiador. Olhe para o relacionamento entre Johnny e Daniel na série Cobra Kai. Após todos esses anos, eles ainda basicamente se odeiam, e o jeito como encaram a vida é de certa forma refletida no tipo de karatê que eles aprenderam. O cruel e feroz sensei John Kreese, do Cobra Kai, ensinou essas crianças nos anos 80 a:


Atacar primeiro
Atacar com força
Não ter misericórdia
Motto da Cobra Kai

O Sr. Miyagi ensinou a Daniel-san uma lição bastante diferente:


Regra #1: Karatê é apenas para defesa
Regra #2: Primeiro, aprenda a regra número 1
Filosofia de Miyagi-do

Treinar - ou repetir - de maneira inadequada desde o início, com base em certas convicções, pode impactar positivamente a curva de aprendizado de nossos alunos e suas crenças sobre suas capacidades de aprendizado. A repetição é certamente fundamental, mas é apenas uma parte do universo da aprendizagem quando estamos buscando resultados positivos. Precisamos de acolhimento, empatia e compreensão também. Até mesmo Johnny e Daniel começaram a perceber como seu relacionamento pode melhorar e qual é o verdadeiro significado do karatê.


Meu pedido é só um: não demonizem o papel da repetição, do esforço e do comprometimento na hora de aprender. Aprender não tem que ser sempre fácil e instantâneo. Temos que persistir e fazer as coisas que básicas várias vezes para avançarmos de maneira mais eficaz e sustentável.

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