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Neuromitos na Aprendizagem - Parte 2: Dá para separar emoção de cognição?

Este é o segundo artigo da série de neuromitos. Se você não leu o primeiro, clique aqui. Vou discutir adiante aquela ideia que você já deve ter ouvido algumas vezes.


Para sermos racionais, devemos suprimir nossas emoções

Certo? Quantas vezes você já ouviu que precisa ser frio ou pensar racionalmente, deixar suas emoções de lado ou parar de ser tão emotivo para tomar uma decisão? Mais do que algumas vezes, certo? Se você é uma mulher então, eu posso deduzir que isso faz parte da sua vida quase que diariamente. Não sei se você sabe, mas a palavra usada para designar pessoas que não sabiam “suprimir” suas emoções é histérica, só que essa palavra vem do grego e significa útero. Por muitos anos, a histeria era atribuída às mulheres por simplesmente expressarem melhor suas emoções de maneira honesta. Será que suprimir as emoções tem cabimento?


Origem


Novamente, é difícil determinar quando e onde isso se originou. No entanto, foi no século XVII que o pai do racionalismo, o filósofo francês René Descartes, disse a famosa frase:


Je pense, donc je suis


René Descartes, 1637


Eu penso, logo existo. A mensagem dele era que os seres humanos têm a capacidade de ser racionais acima de tudo, que nossas sensações corporais podem ser separadas de nossas mentes e que nossas emoções podem ser suprimidas pela cognição. Hoje é bastante comum dizer que nossas decisões precisam ser separadas de nossas emoções para que possamos decidir melhor, racionalmente. Já ouvi dizerem “mais razão, menos emoção, por favor”. Só que não é bem assim.


Por que é um mito?


O campo da pesquisa sobre emoções foi por muito tempo ignorado devido à visão predominante de que as emoções eram subjetivas, vagas e não relacionadas à razão. Essa perspectiva mudou nas últimas duas décadas, impulsionada por evidências de que as emoções e a cognição estão profundamente interligadas e são cruciais para o bem-estar humano.


António Damásio, um expert no assunto, explica bem em seu livro intitulado O Erro de Descartes que não podemos separar emoção de cognição. Na verdade, ele fala sobre um paciente chamado Elliot que sofreu danos em estruturas importantes do cérebro responsáveis pelas respostas emocionais – isso tornou o Elliot incapaz de sentir emoções como as pessoas típicas. Se fosse verdade que acabar com as emoções tornaria qualquer um uma máquina eficiente de tomada de decisões, então por que o pobre Elliot era péssimo em tomar decisões e muitas vezes simplesmente não conseguia decidir? Ele levava uma hora para escolher entre ir a um restaurante A ou B porque ficava analisando cada vantagem e desvantagem de ir para um ou para o outro.


Damásio e Immordino-Yang concluem seu artigo Sentimos, Logo Aprendemos da seguinte maneira:


Quando os educadores não valorizam a importância das emoções dos estudantes, eles não compreendem uma força essencial na aprendizagem dos estudantes. Poderíamos argumentar, na verdade, que não compreendemos a própria razão pela qual os estudantes aprendem.
Immordino-Yang & Damásio

O que tudo isso significa na hora de estudar?


Alerta de spoiler, gente! Eu já falei com mais detalhes sobre o que vou repetir aqui em um artigo anterior. Já assistiram Capitã Marvel? A personagem interpretada pela atriz Brie Larson, Carol Danvers, desde criança gostava de velocidade e queria se tornar piloto em um mundo predominantemente masculino. Durante o filme, ela não é estimulada por ser considerada emotiva demais para o trabalho. Só que ela continua lutando e superando essas barreiras. Na segunda parte do filme, vemos que ela perdeu a memória do seu passado e foi resgatada por uma raça alienígena superior, os Kree. Ela luta para se adaptar no novo planeta e o seu instrutor militar repete o refrão:


Suprima suas emoções, elas estão atrapalhando. Soldados precisam deixar de lado as emoções.

No final, ela descobre que o seu superpoder foi reduzido por um dispositivo no pescoço e pelo controle mental dos Kree. Quando ela vai descobrindo aos poucos suas origens e aceitando suas emoções, ela se torna muito mais poderosa e ganha a confiança para encarar os desafios da vida.


O que essa história pode nos ensinar? A lição principal é que não é possível suprimir totalmente nossas emoções e separá-las da nossa cognição. O que podemos fazer é apenas controlá-las ou regulá-las – e nem sempre fazemos isso bem. Mas se estamos ansiosos, tristes, com medo ou raiva na hora de estudar, não vamos conseguir prestar atenção. O oposto pode ser verdadeiro também. Você já se sentiu eufórico porque tinha recebido uma ótima notícia e não conseguiu mais se concentrar nos estudos?


A neurocientista Lisa Feldman Barrett diz que a forma como entendemos as emoções é culturalmente construída, ou seja, nossas emoções são moldadas pela sociedade em que vivemos e pela linguagem que usamos para descrevê-las. Isso quer dizer que elas não são ruins ou boas. Elas são respostas biológicas ao mundo e às sensações do nosso corpo. Em entrevista para a The Verge, Lisa respondeu quando perguntada se a compreensão sobre as emoções pode ajudar a controlá-las:


Nunca será o caso de que não demande nenhum esforço e nunca será o caso de que você possa estalar os dedos e simplesmente mudar como se sente. No entanto, aprender novas palavras relacionadas a emoções é bom porque você pode aprender a sentir emoções mais sutis, e isso o torna melhor em regular suas emoções. Por exemplo, você pode aprender a distinguir entre angústia e desconforto. Essa é a razão, pelo menos parcial, pela qual a meditação mindfulness é tão útil para pessoas que têm dor crônica - ela permite que você separe o desconforto físico da angústia.

Eu gosto de pensar nas emoções como o céu e as nuvens. Quando olhamos para um céu claro e azul, ou seja, sem nuvens, podemos deduzir que o dia será lindo e ensolarado. Isso me diz como me preparar para o dia, o que vestir e o que esperar. Só que se de repente o céu escurece e se enche de nuvens carregadas, eu deduzo que vai chover e que preciso me proteger. No fim das contas, as nuvens são passageiras e o tempo vai mudar. As emoções podem ser vistas como essas nuvens. Elas nos dizem como o tempo estará naquele dia e elas podem mudar de repente. E o mais importante de tudo: elas são uma consequência natural das coisas e elas passam. Se não passarem no tempo apropriado, aí, precisamos de ajuda. Mas temos o poder de entender melhor o que estamos sentindo e usar estratégias para tentar controlar nossas emoções mais eficientemente.


O que não podemos fazer é negligenciar as emoções (nossas ou dos nossos alunos) e achar que é possível "desligá-las" e simplesmente prestar atenção ou manter a motivação alta. Para terminar, não posso deixar de citar que estudos sugerem que as emoções interferem (positiva e negativamente) na nossa capacidade da memória de trabalho. Em outras palavras, algumas emoções ajudam a aprender coisas novas e outras garantem que não haja aprendizado. Basta lembrar de alguma situação em que você estava passando por um momento difícil e seu professor disse:


Agora não é hora pra isso. Presta atenção aqui!

Só que não dá. É muito mais complexo, afinal de contas, nós somos seres complexos e inteiros - não somos só nossa cognição.


Gostou do conteúdo? Então aproveite o super desconto do mês para aprender mais sobre emoções e cognição no meu curso Estudando com a Ciência da Aprendizagem.


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