top of page

Não, não Usamos Apenas 10% do Nosso Cérebro



Já ouviu alguém dizer isso? A última vez que ouvi foi de uma das vozes mais poderosas da história do cinema: Morgan Freeman. Se ele tivesse nascido no Reino Unido, tenho certeza de que já teria recebido o título de cavaleiro da realeza se juntado ao seleto grupo que inclui Sir Anthony Hopkins, Sir Ian McKellen, Dame Judi Dench e Dame Helen Mirren. O Sr. Freeman interpretou o papel do Professor Samuel Norman, especialista em cérebro que estudou, entre outras coisas, a evolução deste incrível órgão em Lucy, um filme co-estrelado por Scarlet Johansson.


Em uma das cenas, o Professor Norman está dando uma palestra para um grupo de alunos interessados e diz:


"Imagine por um momento como seria a nossa vida se pudéssemos acessar, digamos, 20% da capacidade do nosso cérebro?"

Ele continua a palestra e afirma que cada ser humano tem 100 bilhões de neurônios, dos quais apenas 15% são ativados, o que significa que "possuímos uma rede gigantesca de informações a qual quase não temos acesso". Em suas palavras, se pudéssemos acessar todo o potencial de nossos cérebros, seríamos capazes de controlar outras pessoas e até mesmo a matéria.


Bem, Morgan Freeman, embora eu adore sua voz e sua atuação, seu personagem não poderia estar mais longe da verdade. Neste filme de Luc Besson, lançado em 2014, a maior parte do que o Professor Samuel Norman diz é uma afirmação falsa sobre o cérebro, ou seja, um neuromito.


O mais engraçado é que eu conheci o verdadeiro Professor Samuel Norman. Seu nome é Paul Howard-Jones e ele é uma das maiores referências em cérebro do mundo e professor da Escola de Educação da Universidade de Bristol. Eu tive o enorme privilégio de ter sido um de seus alunos. No seu livro incrível, Evolução do Cérebro que Aprende: Ou Como Você Se Tornou Tão Inteligente, Howard-Jones (2018) volta no tempo até as primeiras formas de vida e nos leva em uma jornada ao longo das eras do nosso planeta até a forma mais sofisticada de inteligência conhecida até hoje: nossos cérebros e nós. Ele publicou muitos artigos e livros sobre o potencial de usar a pesquisa sobre o cérebro e estratégias baseadas em neurociência para impactar positivamente a educação e os resultados de aprendizagem.


Paul Howard-Jones assinando meu exemplar de seu livro Evolution of the Learning Brain: Or How You Got to be so Smart durante o lançamento em 2018.


Bem, Prof. Samuel Norman, vamos nos ater aos fatos. Não, nós não usamos apenas 10 ou 15% de nossa capacidade cerebral. Na verdade, usamos a maior parte do cérebro na maioria do tempo, mesmo quando estamos dormindo. Uma tarefa simples, como beber café, exige que muitas áreas do seu cérebro se ativem simultaneamente: O lobo frontal, quando você decide olhar para a xícara de café e pegá-la, o lobo occipital, porque você está processando visualmente o estímulo, o lobo temporal, quando você imagina a palavra "café", áreas subcorticais, que formam uma parte integral do seu sistema de recompensa, porque o pensamento de café fresco e a expectativa fazem você se sentir bem, o córtex somatossensorial do lobo parietal, quando você pega a xícara e sente o calor nas pontas dos dedos, bem como áreas relacionadas ao paladar e olfato, recuperação de memória, etc. Você pode aprender mais sobre a estrutura e função do cérebro em https://www.brainfacts.org/


Não, Samuel Norman, não temos 100 bilhões de neurônios em nossos cérebros. Na verdade, de acordo com a incrível neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel, temos cerca de 86 bilhões. Você pode assistir o excelente TED Talk dela sobre como ela descobriu isso (envolvendo detergente e sopa de cérebro!). Suzana Herculano-Houzel (2002) também foi responsável por um questionário que tem sido replicado em todo o mundo sobre o quanto o público em geral, e mais recentemente, os professores, sabem sobre o cérebro.


Os resultados no Brasil sugeriram que a maioria das pessoas não sabe muito sobre como o cérebro funciona. O mesmo aconteceu com os resultados no Reino Unido, como demonstrado no artigo de Howard-Jones (Dekker et al. 2012), em Portugal (Rato et al. 2013), na Grécia (Papadatou-Pastou et al., 2017), na América Latina (Gleichgerrcht et al., 2015), na China (Pei et al., 2015), na Espanha (Ferrero et al., 2016) e praticamente em todo lugar.


Mas há esperança! Em Lucy, Scarlet Johansson desbloqueia - ou como dizem por aí, DESTRAVA - seu potencial cerebral por causa de uma droga sintética e basicamente ganha superpoderes que deixariam seus colegas Vingadores do Universo Cinematográfico da Marvel com inveja. Digamos apenas que se Natasha Romanoff fosse a Lucy nos últimos filmes dos Vingadores, Thanos não teria ido tão longe. A esperança a qual me refiro, no entanto, é a esperança que reside em alcançar nosso potencial como professores para que possamos promover o potencial de aprendizado dos nossos alunos. Existem coisas baseadas na ciência da Mente, Cérebro e Educação que podem nos ajudar a entender como a atenção, memória, motivação, autoeficácia e muitos outros pré-requisitos ou aspectos relevantes da aprendizagem funcionam. Nós só precisamos aprender sobre eles e começar a aplicar esse conhecimento.


Enquanto estamos falando sobre isso, eu provavelmente deveria dizer ao Professor Samuel Norman que existem outros neuromitos populares sendo difundidos em ambientes educacionais ao redor do mundo que poderiam levar os professores a decisões mal informadas quando planejam e dão suas aulas. Para citar alguns, apenas apontarei que a teoria dos estilos de aprendizagem e a ideia de dominância do hemisfério esquerdo ou direito do cérebro precisam ser revistos por muitos professores por aí, já que a evidência científica sugere que os alunos não aprendem melhor quando são ensinados em seu estilo de aprendizagem preferido e que pessoas com o "hemisfério direito dominante" são mais criativas (Dekker et al. 2012).


Eu escrevi uma série de 4 postagens no blog - que prometo trazer em português para cá nas próximas semanas - sobre alguns neuromitos. No primeiro post da série, lembro a todos que:


"Contudo, é essencial lembrar que o que estou propondo não é uma receita para a aula perfeita. Existem tantas variáveis a considerar que não podemos dizer 'faça assim e todo mundo vai aprender perfeitamente'. Os autores que escreveram sobre isso dizem que precisamos ter cuidado com afirmações tão audaciosas. Em vez disso, se refletirmos sobre como a ciência da Mente, Cérebro e Educação pode nos ajudar a pensar sobre como ensinamos e como nossos alunos aprendem, acho que o potencial é enorme."

A jornada é longa para aqueles que estão interessados em seguir o caminho. Um bom lugar para começar esta jornada das profundezas do nosso cérebro, além do livro de Paul, é o livro incrível - que você pode baixar gratuitamente - da Leonor Bezerra Guerra e da Anal Luiza Neiva Amaral, Neurociência e Educação: Olhando para o Futuro da Aprendizagem.


Paul Howard-Jones fez um webinar para o BRAZ-TESOL Mind, Brain, and Education Special Interest Group. Mirela Ramacciotti, Rodolfo Mattiello e eu ajudamos a organizar o evento.

Aqui estão algumas perguntas para você refletir. Que impacto personagens como o Prof. Samuel Norman (tanto na ficção quanto na vida real) têm na compreensão das pessoas sobre o cérebro? O que poderia acontecer se mais educadores ao redor do mundo entendessem alguns princípios fundamentais da estrutura e função cerebral e usassem esse conhecimento para adaptar sua prática de ensino? E, finalmente, qual poderia ser o potencial do conhecimento do próprio cérebro para alunos que podem estar tendo dificuldades na sala de aula?

Eu não acredito em soluções mágicas como as apresentadas em filmes de ficção científica. Eu acredito em soluções reais e eficazes baseadas em evidências científicas e acho que você também deveria acreditar.

REFERÊNCIAS

Dekker, S., Lee, N., Howard-Jones, P., & Jolles, J. (2012). Neuromyths in education: Prevalence and predictors of misconceptions among teachers. Frontiers in Psychology, 3, 429-429. doi:10.3389/fpsyg.2012.00429

Ferrero, M., Garaizar, P., & Vadillo, M. A. (2016). Neuromyths in Education: Prevalence among Spanish Teachers and an Exploration of Cross-Cultural Variation. Frontiers in human neuroscience, 10, 496. doi:10.3389/fnhum.2016.00496

Gleichgerrcht, E., Lira Luttges, B., Salvarezza, F., & Campos, A. (2015). Educational neuromyths among teachers in Latin America. Mind, Brain, and Education, 9(3), 170-178.

Herculano-Houzel, S. (2002). Do you know your brain/ A survey on public neuroscience literacy at the closing of the decade of the brain. The Neuroscientist, 8(2):98-110

Howard-Jones, P. (2018). Evolution of the Learning Brain: Or how you got to be so smart. Taylor & Francis Group

Papadatou-Pastou, M., Haliou, E., & Vlachos, F. (2017). Brain Knowledge and the Prevalence of Neuromyths among Prospective Teachers in Greece. Frontiers in psychology, 8, 804. doi:10.3389/fpsyg.2017.00804

Pei X., Howard-Jones P. A., Zhang S., Liu X., Jin Y. (2015). Teachers’ Understanding about the Brain in East China. Proc. Soc. Behav. Sci. 174, 3681–3688. 10.1016/j.sbspro.2015.01.1091

Rato, J., Abreu, A., & Castro-Caldas, A. (2013). Neuromyths in education: What is fact and what is fiction for Portuguese teachers? Educational Research, 55(4), 441-453.

Tokuhama-Espinosa, T. (2014). Making classrooms better: 50 practical applications of mind, brain, and education science. First Edition. New York: W.W Norton & Company.

33 visualizações0 comentário

Siga-me nas redes sociais

  • LinkedIn
  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

©2023 por André Hedlund. Orgulhosamente criado com Wix.com

Moro em Goiânia e atendo presencialmente e online

EDCrocks

CNPJ: 17.519.979/0001-01

 

R. 55 S/N, Quadra B08, Lote 1/15 apt 1105 T3

Jd. Goiás, Goiânia - GO, 74819-230

Política de serviços: Serviços de treinamento digitais e presenciais

Política de entrega: até 30 dias da compra

Política de cancelamento: até 30 dias antes do webinar ou curso

Pagamentos: débito, crédito, boleto e pix

bottom of page