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Foto do escritorAndré Hedlund

A falácia dos Cursos de Inglês na Era do Marketing Digital



Eu passo um bom tempo nas redes sociais. Eu tento acompanhar as novidades dos grupos e personalidades que eu sigo e posto muitas coisas sobre a minha vida pessoal e o meu trabalho. No últimos dias, graças aos algoritmos do Facebook, eu tenho visto vários anúncios de cursos de inglês - e de outros idiomas - no meu feed. Confesso que a culpa é minha, afinal de contas, eu decidi clicar em um vídeo por causa da minha curiosidade nata.


Eu já conhecia o teor dos anúncios. Eu sabia que a pessoa do vídeo faria promessas mirabolantes sobre como aprender inglês mais rapidamente que em qualquer curso por aí. O segredo era um método desenvolvido por esse ser iluminado, que descobriu algo que os cursos convencionais de inglês não querem te contar. E por aí vai.

Os dois últimos que eu assisti eram mais ou menos assim:


O primeiro mostrava uma mulher de uns 30 e tantos anos que havia trabalhado em algumas novelas como figurante. Ela começava o vídeo perguntando se a gente achava mesmo que os atores e atrizes que precisavam falar inglês em novela ou filme se submetiam àqueles "cursos chatos e tradicionais de inglês cheios de gramática". Em seguida, ela dizia que experts haviam descoberto uma técnica de aprendizagem de inglês pelo português e que não precisa de livro, nem gramática e nem anotações!


O segundo era com um homem careca num escritório cheio de livros e um MacBook na mesa. Ele dizia uma frase em inglês no início e depois contava em português como ele ficou fluente em apenas alguns meses. Ele fala no vídeo que o problema é que os cursos tradicionais de inglês não usam o método correto. Ele ainda diz que os adultos precisam "aprender como as crianças aprendem".


Esses dois exemplos são bem representativos do que vemos nas mídias sociais. Tem americano dizendo que o inglês ensinado nos cursos tradicionais não é o inglês falado no dia-a-dia e que o curso exclusivo dele, com professores nativos, vai te ensinar o inglês real. Tem gente dizendo que a plataforma digital deles é baseada em ferramentas de memorização rápida estudadas pela neurociência e que você consegue aprender em 1/5 ou até 1/10 do tempo de um curso normal. Inclusive, há pouco tempo, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Brasil convidou para o debate sobre o tal Programa Nacional de Certificação Bilíngue um homem que havia inventado uma "tabelinha" de equivalência de fonemas em inglês que, nas palavras dele, era um método revolucionário de aprendizagem.

Ultimamente, essas coisas e outras têm me irritado mais do que o normal. Vou elencar aqui alguns pontos:


#1. A maioria desses gurus do inglês não tem formação na área. Quase nenhum deles estudou algo remotamente ligado ao ensino de idiomas como Letras, Linguística, Pedagogia Inglês.


#2. Essas pessoas juram que o método delas é inovador e que nenhum expert em ensino de idiomas, aquisição de segunda língua, linguística ou ensino bilíngue teve a capacidade intelectual de conceber algo tão incrível.


#3. Segundo elas, as grandes instituições de mensuração de nível de proficiência em inglês, como a milenar Universidade de Cambridge, ou a Universidade de Michigan nos EUA, a ETS com o TOEFL, o British Council com IELTS entre outras não conseguiram desenvolver métodos eficazes mesmo coletando dados de milhões de pessoas há décadas sobre o uso do inglês.


#4. Para os gurus de plantão, nós, profissionais do ensino de inglês, junto das escolas somos partes de uma grande conspiração para enganar nossos estudantes para que eles fiquem matriculados por anos usando métodos ineficazes. Afinal de contas, nós queremos ficar ricos às custas dos pobres coitados que poderiam aprendem muito mais rápido.


#5. Os métodos propostos por eles são cheios de segredos, não são publicados nos periódicos de ensino, educação, metodologia, aquisição de segunda língua e afins. Eles não exigem esforço, material didático e quase sempre são aversos à gramática, que é tida como chata e desnecessária.


Eu olho para esse cenário com tristeza, preocupação e um sentimento de ridicularização da profissão que me tornou quem sou hoje. O mundo do marketing digital e das fórmulas de lançamento permitiu que pessoas desqualificadas lançassem seus produtos e serviços sem qualquer critério de qualidade e sem respaldo na literatura científica ou na experiência bem sucedida dos seus resultados. Basta gravar alguns vídeos de alto impacto, impulsionar nas redes, dizer que você sabe de algo que ninguém quer te contar, que muitas pessoas fizeram e funciona, que você vai oferecer uma semana gratuita para quem quiser experimentar, que o preço é muito menor que em situações convencionais e que os resultados são rápidos. Pronto, você pode ganhar centenas de milhares de reais - ou até milhões - em pouco tempo.


A verdade é que qualquer coisa que valha a pena fazer direito leva tempo e esforço. Mas nós fomos enganados - e continuamos acreditando - e levados a considerar as coisas rápidas e fáceis melhores. Afinal de contas, quem é que tem tempo para investir em algo que leve anos? O problema é que essas soluções mágicas não existem, as pessoas que as propagam ou são charlatões ou ignorantes idealistas profundamente enganados e que tudo isso pode ser considerado o terraplanismo do ensino de idiomas.


Essa é a minha avaliação desse cenário. Eu trabalho com o ensino de inglês desde 2005 e sou professor do curso de extensão e da pós em Plurilinguismo e Educação Global da PUCPR. Eu fiz mestrado em psicologia da educação na Universidade de Bristol e estudei como o cérebro e a mente aprendem. Uma das disciplinas do meu mestrado era sobre aquisição de segunda língua e a relação entre linguagem e cognição. Eu sou membro do grupo de interesse em Mente, Cérebro e Educação do maior comitê da América Latina de ensino de inglês para falantes de outras línguas, o BRAZ-TESOL. E eu não estou dizendo isso para me gabar ou algo do tipo. Nem me considero uma grande referência em aprendizagem de inglês. Existem autores com livros e papers publicados sobre como aprendemos um idioma. Esses sim são os experts.


Mas vamos tentar simplificar aqui por meio de analogias. Muitos dos métodos milagrosos oferecidos por aí focam na aprendizagem rápida de palavras (vocabulário) com a utilização de aplicativos de memorização. Isso existe - mas não é tão fenomenal como é vendido nesses vídeos. A questão é, aprender um monte de palavras sem contexto é a mesma coisa que ficar fluente em inglês? Pense no seguinte. Você quer se tornar um excelente motorista. Aí vem alguém e te promete um curso no qual você aprende em apenas alguns dias os nomes de todas as partes do carro. Isso te faz um bom motorista?


Existe uma grande diferença entre saber o significado e a pronúncia de uma palavra e conseguir usá-la de maneira eficaz em uma frase, num parágrafo e naturalmente numa conversa. Essas coisas envolvem tipos de memória diferentes inclusive. Essa memória mais usada para armazenamento de conceitos e definições tem relação com a memória declarativa, que é mais desenvolvida em adultos. A memória da construção, do saber fazer, do como, do hábito ou dos procedimentos, é aquela que as crianças usam como base da sua aprendizagem com mais frequência. Ou seja, dá pra dizer que basta que nós, adultos, façamos como as crianças para aprendermos mais rápido? Os processos de aprendizagem são fundamentalmente diferentes - apesar das semelhanças em alguns aspectos.


Outro exemplo. Eu engordei uns 10kg durante a pandemia. Nunca fui de malhar tanto e não pratico esportes. Todo esse tempo de distanciamento social e trabalho remoto me deixaram mais sedentário. Agora estou retomando a rotina de exercícios e alimentação mais saudável. Mas seria inteligente eu acreditar que consigo perder esses 10kg de maneira rápida e os outros quilos que eu gostaria de perder usando um método revolucionário e simples, que não exige muito esforço e mostra resultados em pouco tempo? Isso é o que o charlatanismo propaga. Se eu quiser ter resultados, preciso investir tempo, esforço e trabalhar em diversas frentes. Mudar a alimentação, fazer mais exercícios físicos, trabalhar com o lado psicológico etc. Quem perde peso muito rápido ou coloca a saúde em perigo ou ganha tudo - e às vezes mais - tão rápido quanto.


Será que eu só vou aprender com professores nativos? Se eu quiser comer um prato autêntico da Itália, preciso de um chef italiano? Eu só posso aprender yoga com professores da Índia? Se eu quiser me formar engenheiro, só com os alemães? Será que você que está lendo este texto saberia ensinar português a um estrangeiro? Que método você utilizaria? Qual seria a frequência das aulas? Que materiais você escolheria? Como seria seu currículo do curso? Se você que é nativo não se sente confortável para ensinar alguém português, por que diabos você acha que alguém é melhor professor do que um professor brasileiro qualificado simplesmente porque nasceu num país onde a língua oficial é o inglês?


E a gramática, hein? Quase todo mundo acredita que a gramática é desnecessária e que mais atrapalha do que ajuda. A gramática serve como amparo. É ela que faz a língua funcionar e que nos diz como essa língua funciona. É como se fosse o motor do carro. Você compraria um carro sem motor? Tudo bem, até concordo que a gente não precisa aprender a gramática explicitamente, ou seja, todos os detalhes e nomes. Assim como não precisamos aprender todas as partes de um motor de carro e como ele funciona. Mas o cérebro adulto adora categorizar e sistematizar as coisas. E nesse quesito, aprender a gramática pode ajudar bastante. E mesmo que você acredite que não precisa da gramática, sem ela, o carro não anda.


Qual é o veredito então? Aprender uma língua adicional leva tempo e exige esforço. Alguns anos, nas melhores perspectivas. Se você quiser atingir o grau mais alto possível, pode levar 5 anos, um pouco mais ou um pouco menos - vai depender de diversas variáveis. Mas não vai acontecer em 3 ou 6 meses. Também não vai levar apenas 1 ano. Ajuste suas expectativas. É um investimento para a vida assim como ter uma vida saudável. Eu sei que terei que fazer exercícios físicos com frequência até os meus últimos dias e que a minha alimentação terá que mudar permanentemente para eu alcançar meus objetivos.


E o método? Um dos grandes problemas de muitos adultos é que eles julgam o método como ineficaz apenas algumas semanas ou meses depois do início do curso. E muitos desistem por causa disso. É como se eu contratasse um personal trainer e dois meses depois do início das minhas aulas, sem ter visto resultados marcantes, eu decidisse desistir. Aí eu levo mais uns 6 meses parado até contratar um instrutor de muay thai. E logo desisto novamente. Se você fizer aulas de inglês assim, começando e desistindo, começando e desistindo, vai levar muito mais tempo. Minha recomendação é que você encontre professores qualificados em escolas sérias ou que trabalham com aulas particulares e que você inicie e TERMINE o curso. Vai levar tempo, mas no fim da trajetória, você terá alcançado a tão sonhada fluência.


Existem tecnologias de tradução simultânea e até estimulação cerebral que acelera a potenciação de longo prazo dos neurônios. Talvez num futuro próximo, o ensino de idiomas mude radicalmente. No entanto, a minha aposta é que por muito tempo ainda, essas escolas que os gurus chamam de "ineficazes e chatas" continuarão sendo a melhor solução para aprender inglês. Eu falo por experiência. Foi nelas que eu aprendi e onde eu ensinei por praticamente 15 anos. Eu tive a oportunidade de seguir a trajetória de centenas - provavelmente até milhares - de estudantes. Eles chegaram lá.


E você? Vai continuar acreditando em charlatões? Confia na gente. Confia em quem estudou e ensinou inglês. Prometo que você chega lá também. Só não vai chegar em 3 ou 6 meses. Assim como eu sei que vou levar um tempo para reincorporar uma vida mais saudável na minha rotina. Mas o importante é começar... e TERMINAR

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